O “tigrinho” está comendo o seu salgadinho? Como as bets podem estar redesenhando o consumo — e a demanda por embalagens flexíveis

Uma hipótese vem ganhando força — e agora já aparece em números: as apostas online (bets) estão drenando parte do orçamento das famílias, deslocando gastos que antes iam para consumo recorrente (incluindo alimentos e bebidas). E quando o bolso aperta, snacks “segunda linha” (value/combate, marcas B, formatos mais baratos e canais populares) costumam ser os primeiros a sentir o tranco.
O que os dados já sugerem (e por que isso importa para embalagens)
Alguns sinais públicos ajudam a entender por que o assunto saiu do “achismo”:
- A Kantar , empresa líder mundial em dados, insight de pesquisas reportou que, no 2º trimestre de 2025, 13% do montante que seria destinado a Alimentos & Bebidas foi gasto com “bets” (com maior incidência nas classes CDE).
- A CNC, Confederação Nacional do Comércio estimou que o varejo deixou de faturar R$ 103 bilhões em 2024 por redirecionamento de recursos das famílias para apostas online.
- Um alerta que virou símbolo do tema: o governo reagiu após informações de que beneficiários do Bolsa Família transferiram R$ 3 bilhões para bets em agosto de 2024, levando a propostas para restringir o uso do benefício em apostas. A fonte é a Reuters.
Isso não prova, sozinho, “queda de vendas” em um SKU específico de snack — mas reforça um mecanismo econômico bem direto: o dinheiro não some; ele muda de destino. E quando muda para algo de alta recorrência (apostas), ele disputa espaço com compras pequenas e frequentes, como snacks.
Por que snacks e biscoitos mais baratos ficam vulneráveis primeiro
Quando o orçamento doméstico perde fôlego, o consumidor tende a fazer três movimentos clássicos:
- Trocar marca (trade-down): sai da “primeira linha” e migra para combate/segunda linha ou marca própria.
- Trocar formato: sai do “grab & go” e vai para embalagens maiores (melhor R$/kg) — ou o oposto: mini packs para “caber no dia”.
- Cortar impulso: snacks são consumo de impulso; apostas também são “impulso + dopamina”. Se um ganha espaço, o outro pode perder.
E aqui nasce a ponte com embalagens flexíveis: mudou o mix? muda o tipo de filme, a gramatura, o nível de acabamento, a cadência e até o perfil de perdas.
O efeito na cadeia de embalagens flexíveis: onde pode doer (ou abrir oportunidade)
Se a tese das bets drenando consumo se confirmar mais amplamente, o impacto tende a aparecer em 5 frentes:
1) Migração para estruturas mais baratas
Mais pressão por downgauging, substituição de estruturas, redução de efeitos (metalização, hot/cold, acabamentos “premium”), simplificação de laminações.
2) Mais volatilidade de pedidos
A aposta muda o comportamento do consumidor e o varejo reage rápido. Para convertedores, isso pode significar lotes menores, mais trocas e mais pressão por prazo.
3) Aumento de “pack-size engineering”
Pode crescer a demanda por:
- packs menores (ticket baixo)
- packs econômicos (maior volume)
Ambos mexem em área de embalagem por kg de produto, afetando consumo de filme de forma não linear.
4) Mais foco em marcas próprias e combate
A Kantar aponta mudanças no consumo e no orçamento das famílias em 2025 com bets ocupando fatia relevante do gasto antes destinado a A&B.
Isso costuma favorecer marca própria e segunda linha, que pedem engenharia de custo agressiva em filme/laminação.
5) Risco reputacional/regulatório respingando em categorias patrocinadas por bets
O Brasil intensificou ações regulatórias e de bloqueio de sites irregulares, com o tema “vício e orçamento” no centro do debate público.
Mudanças de regra podem mudar o “pulso” do mercado de apostas — e, por tabela, o efeito de deslocamento de consumo.

“Correlação” sem achismo: como medir isso de verdade na prática
Se você quer transformar essa hipótese em inteligência comercial para embalagens, o caminho é olhar séries temporais e mix:
- Sell-out (varejo) de snacks por canal (atacarejo, proximidade, e-commerce)
- Elasticidade por preço: quando o snack sobe 5%, o que acontece com volume?
- Mix de pack sizes: cresce “mini” ou “econômico”?
- Sazonalidade esportiva (picos de apostas) vs. consumo por ocasião (final de semana, jogos, etc.)
- Indicadores de endividamento/inadimplência como pano de fundo (a CNC também relaciona o tema a pressão no consumo).
A regra é simples: se, nos mesmos períodos em que apostas sobem (ou ganham manchetes/regulação), snacks caem em volume e a queda é mais forte em segunda linha e canais populares, você começa a ter um sinal robusto de correlação.
O que fazer agora (para convertedor, extrusor e fornecedor de filme)
- Mapear “estruturas de combate”: ter um portfólio pronto de alternativas de custo (com janela de desempenho bem definida).
- Planejar por mix, não por volume total: o volume pode até segurar, mas o mix de packs muda tudo.
- Criar gatilhos comerciais: quando a marca pedir redução de custo, você já chega com 2–3 propostas de estrutura.
- Acompanhar regulação: o governo estruturou regras para operar bets e sistemas de gestão/monitoramento (SIGAP) — qualquer endurecimento/relaxamento tende a mexer no “fluxo” de gasto do consumidor.

Fechamento
A discussão sobre bets deixou de ser “comportamento digital” e virou variável macro de consumo — com números relevantes e reação regulatória.
Para o mercado de embalagens flexíveis, a pergunta não é só “vai cair o consumo?”. É: o mix vai migrar para quais estruturas, tamanhos e canais — e com que velocidade? Quem ler isso antes, protege margem (e ganha share) enquanto o mercado ainda está tentando entender o que está acontecendo.