Cultura de Qualidade: O Novo Pilar da FSSC 22000 v6 que Está Revolucionando a Indústria de Embalagens
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Por Eudes Scarpeta
Nos últimos dois anos, tenho observado uma mudança significativa nas auditorias de segurança alimentar. Se você trabalha no setor, provavelmente já percebeu: não basta mais ter os procedimentos documentados e as práticas implementadas. A FSSC 22000 v6 e o Codex HACCP 2020 agora colocam um foco intenso em algo que sempre soubemos ser importante, mas que raramente era medido: a cultura de qualidade e segurança alimentar da empresa.
O que é realmente “cultura de qualidade”?
Lembro-me da primeira vez que um auditor me perguntou sobre nossa cultura de segurança alimentar. Fiquei um pouco surpreso – não era apenas sobre nossos POP’s, registros e análises de perigos? A resposta era não.
A cultura de qualidade vai muito além dos documentos. É como a segurança alimentar é vivida diariamente na empresa. É o comportamento automático de um colaborador que, mesmo sem supervisão, adota as práticas corretas. É o compromisso visível da liderança com a qualidade. É o quanto valorizamos e premiamos as decisões que priorizam a segurança do alimento, mesmo quando isso significa dizer “não” a uma oportunidade de redução de custos.
Em resumo: cultura de qualidade é o que sua equipe faz quando ninguém está olhando.
Como a FSSC 22000 v6 agora avalia sua cultura?
Nas minhas últimas experiências com auditorias, percebi uma mudança clara na abordagem. Os auditores agora:
- Observam as interações entre líderes e colaboradores
- Entrevistam funcionários de diferentes níveis para avaliar seu entendimento sobre segurança alimentar
- Verificam se as decisões da alta direção refletem o compromisso com a qualidade
- Analisam como os problemas são comunicados e resolvidos
- Avaliam o ambiente de trabalho para identificar se ele encoraja ou inibe o reporte de problemas
Na empresa onde implantamos a FSSC 22000, tivemos que repensar completamente nossa abordagem. Percebemos que ter um bom manual de qualidade não era suficiente se nossas reuniões de diretoria raramente mencionavam segurança alimentar.
Treinamento: o coração da transformação cultural
De todos os elementos que compõem uma cultura de qualidade forte, o treinamento talvez seja o mais importante – e é justamente o que quero destacar hoje.
Quando implementamos nosso novo programa de treinamento, focamos em três aspectos essenciais:
1. Desenvolvimento de competências técnicas E comportamentais
Não basta ensinar os procedimentos. Nossa equipe precisa de:
- Habilidades técnicas específicas em segurança dos alimentos
- Capacidade de comunicação e influência
- Habilidades de resolução de problemas
- Competências para lidar com mudanças
Na prática, isso significou redesenhar completamente nossos treinamentos. Incluímos estudos de caso onde os colaboradores precisavam tomar decisões em cenários realistas, simulando pressões de tempo e custo.
2. Criação de uma organização de aprendizagem
Como bem destacado no artigo da Harvard Business Review que li recentemente, não basta oferecer treinamentos pontuais. É preciso criar uma “organização de aprendizagem” com:
- Ambiente de aprendizagem apoiador: Criamos espaços onde é seguro questionar, discordar e propor ideias, sem medo de retaliação.
- Métodos práticos de aprendizagem: Implementamos rotinas de análise pós-incidentes, grupos de discussão de melhores práticas e sistemas para capturar e compartilhar conhecimento.
- Liderança que incentiva o aprendizado: Nossos líderes começaram a demonstrar abertura a novas ideias, dedicar tempo para reflexão e mostrar disposição para questionar suas próprias suposições.
Um exemplo prático: após um desvio de qualidade, em vez de simplesmente corrigir o problema, agora realizamos uma análise detalhada com toda a equipe envolvida, discutindo abertamente o que aconteceu, sem buscar culpados, mas focando nas lições aprendidas.
3. Avaliação contínua do impacto do treinamento
Um erro comum que cometi no passado foi acreditar que o trabalho terminava quando todos completavam o treinamento. Agora, medimos sistematicamente:
- Mudanças reais de comportamento após os treinamentos
- Aplicação do conhecimento em situações cotidianas
- Impacto nos indicadores de qualidade
- Capacidade dos colaboradores de transmitir o conhecimento para outros
Lições que aprendi no caminho
Depois de dois anos nessa jornada de transformação cultural, posso compartilhar algumas lições valiosas:
- A cultura é construída nas pequenas decisões diárias. Quando um supervisor prioriza a qualidade sobre a produtividade em um momento crítico, isso envia uma mensagem mais poderosa que qualquer política escrita.
- Comportamento da liderança é tudo. Nossa equipe de produção começou a levar a segurança alimentar muito mais a sério quando viram nós da liderança participando ativamente das discussões sobre qualidade.
- Evite a cultura do “ser simpático” em vez de “ser responsável”. Em nossa empresa, tínhamos o hábito de evitar conflitos e confrontos, o que criava uma falsa sensação de harmonia. Aprendemos que discordâncias construtivas e cobranças respeitosas são essenciais para uma cultura de qualidade robusta.
O caminho à frente
A jornada para construir uma verdadeira cultura de qualidade é contínua. Na última auditoria da FSSC 22000, recebemos elogios pela transformação, mas também identificamos novos pontos a melhorar.
O mais importante é entender que a cultura de qualidade não é um “programa” ou “iniciativa” – é uma forma de ser e pensar que deve permear todas as decisões da empresa.
E você, como está a cultura de qualidade na sua organização? Sua empresa já está preparada para as novas exigências da FSSC 22000 v6?