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Brasil Não Assina “Apelo de Nice” Contra Poluição Plástica

Brasil lidera resistência junto a petro-estados enquanto Emmanuel Macron pressiona por tratado ambicioso antes das negociações cruciais de agosto em Genebra. Conferência oceânica em Nice expõe divisões profundas sobre controle da produção de plásticos.

A Terceira Conferência das Nações Unidas sobre os Oceanos (UNOC3), realizada de 9 a 13 de junho de 2025 em Nice, França, cristalizou as tensões geopolíticas em torno do primeiro tratado global contra poluição por plásticos. O “Apelo de Nice” conseguiu adesão de 95 países, mais da metade dos 170 participantes das negociações, mas expôs resistências significativas de grandes economias, incluindo o Brasil, que lidera um grupo de oposição baseado em questões de financiamento.

O documento, oficialmente denominado “The Nice wake-up call for an ambitious plastics treaty”, foi apresentado em 10 de junho durante reunião informal de ministros organizada pela chefe do PNUMA, Inger Andersen. A declaração visa pressionar por um acordo mais rigoroso antes da sessão decisiva de negociações marcada para 5-14 de agosto em Genebra, após o fracasso das conversas em Busan, Coreia do Sul, em dezembro de 2024.

A poluição plástica é um flagelo e o oceano é sua primeira vítima“, declarou o ministro francês das Relações Exteriores, Jean-Noël Barrot, destacando que “o Mar Mediterrâneo em particular sufoca sob o peso desta poluição.” A França assumiu protagonismo diplomático ao co-organizar a UNOC3 com a Costa Rica, transformando Nice no epicentro das articulações para salvar o tratado global.

Brasil condiciona apoio a mecanismo financeiro robusto

O Brasil emergiu como uma das principais vozes dissidentes, recusando-se a assinar o Apelo de Nice por questões estruturais sobre financiamento. O governo brasileiro alega que os países desenvolvidos querem “impor a redução da produção de plástico sem propor o financiamento correspondente aos países em desenvolvimento”, segundo declarações de Adalberto Maluf, do Ministério do Meio Ambiente.

A posição brasileira vai além da simples resistência. O país apresentou proposta alternativa de criação de um fundo exclusivo dedicado ao combate à poluição plástica, que “foi aprovada pela América Latina, depois endossada pelo grupo da África e das ilhas da Ásia, e a nossa proposta tinha mais de 130 países”, conforme Maluf. Esta articulação Sul-Sul coloca o Brasil numa posição estratégica, mas controversa, já que o país não está entre os grandes produtores de petróleo tradicionais.

A embaixadora Maria Angélica Ikeda, do Itamaraty, enfatizou que se trata do “único acordo ambiental internacional novo que nós estamos negociando”, reconhecendo que “o problema da poluição por plásticos é uma crise urgente e grave.” O Brasil defende um acordo “dinâmico” que possa ser atualizado conforme avanços científicos, mas mantém que “para ter ambição no Tratado, a gente precisa de meios de implementação para os países em desenvolvimento.”

Cinco elementos-chave dividem petro-estados de coalizão verde

O Apelo de Nice articula cinco elementos considerados essenciais para um tratado eficaz, que se tornaram os pontos centrais de divergência nas negociações globais. O primeiro e mais controverso é a “abordagem de ciclo de vida completo” com metas globais vinculantes para redução da produção de plásticos primários – exatamente o que países produtores de petróleo rejeitam categoricamente.

Os outros elementos incluem eliminação obrigatória de produtos e químicos problemáticos, melhoria no design de produtos plásticos, mecanismos robustos de implementação baseados no princípio “poluidor-pagador”, e provisões que permitam ao tratado evoluir com base no progresso científico. Esta agenda representa o núcleo do confronto entre a Coalizão de Alta Ambição, liderada por Noruega e Ruanda, e o grupo de países produtores de combustíveis fósseis.

A Arábia Saudita lidera sistematicamente a oposição, usando táticas obstrutivas que incluem questionar a autoridade de líderes de grupos de trabalho e levantar objeções procedimentais repetidas. O reino saudita, junto com Rússia, Irã e Kuwait, defende que o tratado deve focar exclusivamente em reciclagem e gestão de resíduos, evitando qualquer restrição à produção upstream.

Contrariamente, países como México surpreendem ao aderir à coalizão verde apesar de serem produtores de petróleo. A ministra mexicana Alicia Bárcena declarou que “a poluição por plástico não é apenas uma emergência ambiental, mas uma ameaça para a saúde humana, para a biodiversidade, para a sustentabilidade das nossas economias”, defendendo que “todo o ciclo de vida [do plástico] tem de ser incluído” no tratado.

Macron posiciona França como líder global da causa

Emmanuel Macron aproveitou a UNOC3 para consolidar a liderança francesa na questão dos plásticos, combinando diplomacia multilateral com críticas veladas ao unilateralismo. “Enquanto a Terra está esquentando, o oceano está fervendo”, declarou o presidente francês na abertura da conferência, estabelecendo o tom urgente das discussões.

As declarações de Macron evoluíram de posições domésticas para liderança global reconhecida. Em 2023, durante a INC-2 em Paris, ele caracterizou a poluição plástica como “uma bomba-relógio”, estabelecendo a meta de “acabar com a poluição plástica até 2040 no mais tardar.” O presidente francês também criticou duramente o modelo atual: “Temos que acabar definitivamente com um modelo globalizado e insustentável de produção de plástico na China e outros países da OCDE que é exportado na forma de resíduos para países em desenvolvimento.”

A França implementou internamente algumas das políticas mais rigorosas do mundo, incluindo a eliminação completa de plásticos de uso único até 2040 através da Lei Anti-Desperdício e Economia Circular. Entre 2021 e 2023, o país proibiu canudos, talheres descartáveis, embalagens para cerca de 30 frutas e verduras, estimando eliminar 1 bilhão de itens de embalagem plástica desnecessária por ano.

Negociações de agosto em Genebra são decisivas após fracasso de Busan

O fracasso das negociações em Busan, Coreia do Sul, em dezembro de 2024, elevou dramaticamente as expectativas para a sessão de agosto em Genebra. A INC-5 em Busan reuniu mais de 3.300 delegados de 170 países, mas terminou sem acordo devido a divergências irreconciliáveis sobre três questões centrais: limites de produção de plásticos, regulamentação de químicos perigosos e produtos plásticos problemáticos.

As negociações falharam principalmente devido às táticas obstrutivas da Arábia Saudita e aliados, que se opuseram mesmo a mudanças no processo de tomada de decisão por consenso, bloqueando propostas de votação por maioria. Juan Carlos Monterrey, do Panamá, emergiu como voz destacada da ambição, declarando “Esta é uma luta pela sobrevivência… Plásticos são uma arma de destruição em massa”, encapsulando a frustração de países vulneráveis.

A INC-5.2 em Genebra (5-14 de agosto de 2025) terá como base o “Chair’s Text” de dezembro, mas o documento mantém todas as questões controversas em aberto. O desafio será encontrar linguagem de compromisso que permita algum controle upstream sem alienar completamente os petro-estados, enquanto a mudança na administração americana adiciona incerteza significativa ao processo.

Estatísticas alarmantes justificam urgência do tratado

Os dados que fundamentam a urgência do tratado são inequívocos. A produção mundial de plásticos ultrapassou 500 milhões de toneladas em 2024, com projeções indicando que pode triplicar até 2060 sem intervenção significativa. Anualmente, 19-23 milhões de toneladas de resíduos plásticos entram em ecossistemas aquáticos, equivalente a mais de 2.000 caminhões de lixo despejados diariamente nos oceanos.

A situação é ainda mais crítica considerando que apenas 9% de todos os plásticos produzidos foram reciclados, enquanto 79% acumularam-se em aterros ou no ambiente natural. A Grande Mancha de Lixo do Pacífico já contém 1,8 trilhão de peças, totalizando 100 milhões de kg de plástico flutuante.

O impacto econômico é igualmente alarmante. Projeções indicam que os custos de danos relacionados ao plástico podem atingir US$ 281 trilhões entre 2016-2040, enquanto uma transição para economia circular poderia economizar US$ 1,27 trilhão até 2040 e criar 700.000 empregos líquidos. Os microplásticos já foram encontrados em todos os órgãos humanos estudados, com água engarrafada contendo 110.000-370.000 partículas de plástico por litro.

Contexto histórico revela crescente polarização

O tratado global de plásticos nasceu da resolução histórica 5/14 da Assembleia Ambiental da ONU em março de 2022, aprovada por 175 países. Desde a INC-1 em Punta del Este em novembro de 2022, as divisões têm se aprofundado progressivamente, com dois blocos antagônicos se cristalizando em torno de visões fundamentalmente diferentes sobre regulamentação global.

A Coalizão de Alta Ambição, iniciada por Noruega e Ruanda com 18 países, expandiu para mais de 67 membros, incluindo União Europeia, Reino Unido, Canadá e México. Este grupo defende controles upstream na produção e eliminação de químicos perigosos. Em oposição, cerca de 20 países liderados pela Arábia Saudita, Rússia e Irã mantêm que o tratado deve focar exclusivamente em gestão downstream de resíduos.

A mobilização da sociedade civil cresceu exponentially, com quase 3 milhões de assinaturas entregues em Busan por organizações como Greenpeace, WWF e Break Free From Plastic. Em novembro de 2024, uma marcha com 1.500 ativistas pressionou delegados em Busan, refletindo a crescente conscientização pública sobre a crise dos plásticos.

Conclusão aponta para confronto final em agosto

O “Apelo de Nice” representa tanto um sucesso diplomático francês quanto um indicador das profundas divisões que persistem. Com 95 países signatários representando mais da metade dos participantes das negociações, a declaração demonstra que existe uma maioria substancial favorável a medidas ambiciosas, mas a regra do consenso permite que uma minoria vocal bloqueie o progresso.

A estratégia brasileira de liderar uma coalizão Sul-Sul focada em financiamento adiciona complexidade às negociações, criando uma terceira via entre ambientalistas e petro-estados. Esta posição pode ser crucial em agosto, já que o Brasil mobilizou mais de 130 países em torno de sua proposta de fundo dedicado.

As negociações em Genebra serão decisivas não apenas para o futuro do tratado, mas para o teste da capacidade do multilateralismo de endereçar crises ambientais globais. Com a produção de plásticos podendo triplicar até 2060 e custos de danos projetados em centenas de trilhões de dólares, o fracasso em agosto pode significar a perda de uma oportunidade histórica para ação coordenada global contra uma das mais pervasivas formas de poluição planetária.

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